terça-feira, 11 de agosto de 2009

O que matou Michael Jackson?

Como anestesiologista, sinto-me a vontade para comentar o episódio da morte de Michael Jackson. Apesar de não saber exatamente o que aconteceu, isto não impede que a partir dos noticiários algumas conjecturas possam ser realizadas.

O medicamento Propofol, um dos envolvidos no processo, é um indutor do sono. Quando utilizado por via endovenosa tem inicio de ação imediato e pode ser utilizado para manter o paciente sedado por várias horas. Apresenta como vantagem em relação a outros hipnóticos o fato de apresentar um despertar muito rápido sem a sensação de sonolência ou amnésia.

Uma leitura superficial destas características pode atrair um cidadão estressado, viciado em ansiolíticos, com dificuldades para dormir a pensar neste medicamento como solução de seus problemas de insônia. Deitar na cama e imediatamente iniciar um sono ininterrupto de oito horas, acordando cheio de vitalidade é um luxo que muito poucos podem alcançar. Não se compra com dinheiro.

Mas Michael tentou comprar. Em sua mansão chamada “Neverland” – terra do nunca – com parque de diversões, lagos artificiais e não se sabe mais o quê, criou um quarto de dormir, onde recuperaria as energias através de medicação anestésica. Nada de muito estranho para quem mudou a cor da pele, utilizava máscaras anti-público...

Contratou a peso de ouro uma equipe médica e iniciou suas sessões de sonoterapia. Acontece que anestesia deve ser realizada em ambiente hospitalar e não em “Neverland”. Assim como Michael, muitos pacientes sonham, iludem-se e pagam com dinheiro e às vezes até com a própria vida por terapias alternativas milagrosas, que não funcionam nem mesmo na “terra do nunca”. Michael foi vitimado por sua insana tentativa de perfeição e auto-suficiência

Além de fazer dormir e acordar no horário planejado, o propofol apresenta vários efeitos colaterais, que podem ser fatais, tornando mandatória sua administração por médico com treinamento em anestesia ou terapia intensiva, além da disponibilização de recursos de monitorização continua e ressuscitação cardio-pulmonar.

Na intenção de estimular a qualidade dos serviços de saúde, foi criado um processo de certificação visando assegurar usuários, profissionais e público em geral que procedimentos possam ser realizados com a máxima segurança, eficiência, habilidade e excelência. Este selo de qualidade é a Acreditação Hospitalar, mas pelo fato de ser uma avaliação criteriosa, não obrigatória, e com custos elevados, faz com que nem todas as instituições busquem este indicador de confiabilidade, permitindo que ocorram eventualmente aberrações do tipo “Neverland”.


Provavelmente “Neverland” não atingiria o nível 1 de acreditação hospitalar, mínimo exigido para uma sedação com propofol. Mas a culpa não é somente dos pacientes e da falta de informação. Clinicas, hospitais e profissionais liberais também têm sua parcela de responsabilidade.

A eficácia de uma assistência hospitalar somente tem sentido quando o foco esta na atenção e valorização do paciente, através de medidas de humanização do atendimento e da adoção de critérios objetivos de segurança e gestão de recursos.


Descanse em paz Michael, enquanto por aqui continuaremos trabalhando por uma saúde mais digna e ética para todos.
Leia mais no site http://www.ildomeyer.com.br/
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