terça-feira, 21 de abril de 2020

Sem querer ou de propósito?


 “Tragam-me água, lavo minhas mãos”

 Com estas palavras Pôncio Pilatos, governador romano da Judéia, diante da multidão enfurecida, esquivou-se de sua responsabilidade e jogou as consequências de sua decisão nas costas do povo, isentando-se de qualquer culpa ou responsabilidade.

Autoridades médicas e governamentais recomendam que para combater o Covid-19, o povo deve ir para casa e lavar as mãos. Será que entendemos direito? Devemos limpar as mãos com água e sabão para matar o vírus ou estão nos dizendo para ficarmos em casa, lavarmos as mãos como Pilatos fez e deixarmos a responsabilidade de tudo o que está acontecendo por conta deles?

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Queremos viver


Querida Anne

Como estão as coisas por ai? Tempos difíceis, não é? Escrevo em formato de carta porque agora, durante a quarentena, tenho tempo de sobra pra conversar, então resolvi voltar aos velhos tempos, aqueles onde éramos felizes e não sabíamos. Só que estou tão acostumado a mandar mensagens por whatsapp que talvez me atrapalhe e cometa alguns erros de português. Queria te contar algumas experiências de meu isolamento social.

Desde criança tinha o sonho de ficar uma semana trancado dentro de uma grande livraria. Preciso ter mais cuidado com meus pensamentos, eles podem se transformar em realidade. Meu pedido foi atendido e veio maior que imaginava. Ganhei um mês trancado no conforto do lar, cinquenta mil livros disponibilizados pela Amazon e todo o acervo de filmes do Netflix. Tirei a sorte grande.

O que não estava planejado no meu sonho era quem faria a comida, quem limparia a casa, quem lavaria a louça. Estou tendo que me virar, mas os livros e tutoriais existem pra isto. Aos trancos e barrancos vou dando conta. Também já tenho outro sonho: uma faxineira assim que possível.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Desta vez, não arrisque


Desde criança aprendi que nosso bem maior é a vida.  O Talmud, livro sagrado dos judeus, enfatiza que aquele que salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro, inclusive havendo  na lei judaica uma obrigação bíblica de salvar vidas. É permitido quebrar quase todos os mandamentos a favor de uma vida em perigo.

Existe uma discussão clássica do caso de duas pessoas que estão viajando pelo deserto e apenas uma tem água suficiente para sobreviver. Seria melhor dividir a água e ambos morrerem ou um apenas sobreviver? Não há consenso, mas esta é a característica que dá graça e sabedoria ao Talmud: o debate, a argumentação. Vamos a ela.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O deserto e o dilúvio


Sonhava ficar em casa de pernas pro ar durante três meses enquanto é jovem e sadio? Pode comemorar. Seu pedido foi atendido. Você está livre do trabalho, da escola, da universidade. Agora tem tempo de sobra pra fazer o que quiser. Não está doente, tampouco aposentado e se tiver sorte ou for precavido, seus rendimentos ainda estão garantidos.

Só que não. Você está doente, mas não sabe. Os sintomas estão saltando aos olhos e você não vê ou se nega a enxergar. Pensa que está saudável e assintomático, mas está enganado. Não estou falando do coronavirus, desta praga vamos nos salvar. A sua doença é mais grave, assumiu uma forma crônica e a única maneira de se curar talvez seja o confinamento obrigatório.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quem pagou a conta?



Durante muito tempo pratiquei uma estratégia “infalível” ensinada por um amigo para selecionar certo tipo de mulheres. Não me orgulho nem um pouquinho de ter feito isto, pois é uma técnica altamente preconceituosa. Enfim, todos têm sua parcela de defeitos e preconceitos por questionar.

Funcionava assim: quando me interessava por alguma mulher, perguntava se ela gostaria de tomar um café ou bebida comigo. Na hora de pagar a conta, observava se faria algum sinal de dividir as despesas ou não. Nunca as deixava pagar, mas ficava atento. A estratégia era justamente saber se a mulher achava que o homem, pelo simples fato de ser homem, deveria seguir as regras de etiqueta e pagar as despesas da mulher, somente por ela ter nascido mulher.

Naquela época o movimento feminista ainda engatinhava, e a estratégia era simplesmente descobrir com que tipo de mulher estava lidando. Tinha o cuidado de nunca convidar formalmente para o encontro, justamente para descaracterizar o argumento de quem convida paga a conta.  O convite era realizado mais ou menos assim: “topas um café?”, “que tal uma cerveja um dia destes?”.

Certa noite, numa destas investidas, quando chamei o garçom para pedir a conta, já estava paga. Minha companheira de mesa havia acertado tudo enquanto fui ao toalete. Percebendo meu espanto com seu comportamento, ela se adiantou e, sem que eu perguntasse, foi explicando. “Não existe almoço de graça, se alguém lhe paga por algo, vai querer o retorno. Quando a mulher aceita que o homem lhe pague o jantar, subliminarmente está passando a mensagem que talvez um dia vá lhe dar algo em troca”.