Deslocamento longo
pode ser considerado sinônimo de saudade ou lembrança? Pergunta de um aluno
durante aula sobre submodos no curso regular de formação em Filosofia Clínica.
Em princípio não, responde o professor, mas em filosofia tudo pode
questionado, então vamos à discussão.
Deslocamento longo é um submodo utilizado em determinados contextos após
avaliação da Estrutura de Pensamento do partilhante e sob critérios bem
definidos, saudade é um sentimento e lembrança é algo que fica registrado na
memória como resultado de experiências vividas.
Chamamos de deslocamento a habilidade de nos transportar, seja no tempo
ou no espaço. Existem dois tipos de deslocamento, curto e longo.
Deslocamento curto acontece quando voltamos nossa atenção para algo que
está ao alcance de nossos sentidos. Escutar o barulho dos carros na rua, sentir
o cheiro da grama molhada pela chuva. A atenção fica voltada para fora do
indivíduo e o alvo tem propriedades sensoriais que se conectam através dos
sentidos.
Deslocamento longo já é diferente, pois transporta a mente humana para
algo que está fora do alcance dos sentidos, entrando no âmbito das abstrações
internas. Pode-se tanto retornar ao passado como projetar o futuro,
possibilitando ao homem ir além dos limites de seu corpo físico. Quanto menos
conectado às sensações, maiores as possibilidades de abstrações.
No sentido das abstrações, a saudade apresenta semelhança com
deslocamento longo. Tanto pode ser um amor, um lugar ou um momento do passado
que nos machuca no presente, como pode ter o efeito de uma felicidade
retardada. Uma ausência que insiste em ficar ao nosso lado. Em alguns casos a
saudade é tão grande que já nem é mais sentimento, a pessoa é a própria
saudade, que aperta e não solta mais.
Vive para encontrar os olhos da pessoa amada em cada improvável esquina,
ou retornar a algum endereço que nem mais existe. Quando a saudade bate, tanto
pode doer como confortar, pois é um modo eficaz de enxergar o quanto se foi
feliz no passado, funcionando como uma dívida pelas bênçãos e amor recebidos e
sendo paga em longas prestações.
Nesta altura da explicação, mais uma vez o aluno interrompe o mestre
argumentando que é possível haver lembranças boas ou ruins do passado, assim
como pode-se utilizar deslocamento longo abstraindo e transportando pessoas no
tempo e no espaço para situações agradáveis ou desagradáveis, no entanto com a
saudade existia uma ambivalência.
Bom e ruim ao mesmo tempo, causando confusão, imprecisão e obscuridade
na abstração. Sorrisos e lágrimas concomitantes, pois mesmo amores e situações
maravilhosas do passado podem machucar e ser dolorosos por sua falta no
presente. A impossibilidade da volta não é um impedimento para o desejo, mesmo
que frustro.
Embora sabendo que não se deve universalizar, o aluno termina sua
explanação com duas perguntas. Saudade sempre é um sentimento ambivalente de
algo bom que não vai embora mesmo que sua presença sensorial não seja possível?
Pode-se ter saudade de algo ruim?
O tempo corre depressa quando a conversa é boa. Já estava quase no final
da aula, a discussão estava animada, provavelmente ainda seria longa. O
professor olhou para seu relógio e encerrou a aula como se estivesse em uma
consulta terapêutica. Recomendou uma literatura, solicitou que exercitassem
deslocamentos longos nos próximos dias e combinou que na semana seguinte
prosseguiriam. Antes de terminar deixou duas citações como inspiração:
Saudade é quando a memória tem ciúmes da vida.
Crime perfeito é matar a saudade.
Artigo publicado na Revista da Casa da Filosofia Clinica, Edição
outono/março 2023