segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Idioma dos olhos

 

Aprendi com uma fotógrafa que para demonstrar felicidade em uma foto não é preciso sorrir com a boca, são os olhos que transmitem o estado de humor. A importância está no olhar, não naquilo que se olha.

Quantas vezes você já viu aquilo que chamamos de “sorriso amarelo”? Boca sorrindo e olhos chorando, denunciando o estado de espírito em sofrimento.  Quando uma pessoa está bem, seus olhos transmitem essa energia positiva que se projeta direto na foto. Não há como enganar.

Aprendi com meu neto Bernardo, que agora completou um ano de idade, que a boca também não é necessária para ser entendido, os olhos conseguem dizer quase tudo.

Quando brinco com ele e faço uma bolha de sabão, na tentativa de agarrá-la com as mãos, invariavelmente estoura. Ele me encara e seus olhos perguntam “onde foi parar a bola”? Ainda não tem capacidade de raciocínio para entender a fragilidade de uma bolha de sabão, o que ele quer mesmo saber é onde se meteu a tal bola que estava bem à sua frente, diante dos olhos.

Bernardo ainda não sabe que sou seu avô, não moro na mesma casa e nem sempre posso estar presente para brincar com ele, mas sem dúvida alguma me reconhece, identifica minha voz, meu cheiro, minhas brincadeiras. Quando vou visitá-lo seu primeiro olhar é com o mesmo espanto da bolha que magicamente desaparece. Assim como ela some, eu surjo. Mistérios que seus olhos claramente não entendem, mas refletem.

Quando o coloco para dormir em meus braços e vou contando uma história ou cantarolando algo, suas pálpebras lentamente vão fechando até se cerrarem por completo. Mas entre o estado acordado e sono profundo, várias olhadelas são dadas para conferir se ainda estou ali e silenciosamente me sussurram ”fique aqui vovô, não se vá”.

Certas coisas são melhor ditas com olhos que com palavras. Olhos falam coisas que a boca não sabe ou não tem coragem de dizer. Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação.

Beijos geralmente são dados com os olhos bem antes das bocas. Exceção talvez sejam os beijos roubados. Palavras podem enganar, mentir, blefar, embromar, olhos dificilmente.

Já reparou como é difícil falar e ao mesmo tempo encarar por um longo período os olhos de outra pessoa? Geralmente desviamos o olhar para nos concentrarmos naquilo que estamos falando ou escutando. O olhar mútuo é tão estimulante sobre nossos processos cognitivos que interfere na capacidade de atenção e raciocínio. Às vezes o olhar de uma pessoa é tão poderoso que até esquecemos ou não conseguimos falar o que gostaríamos de dizer.

Claro que existem também aqueles olhares desviados por timidez, mentira e outras situações. Um dos mais conhecidos é o “olhar de paisagem”, quando uma pessoa fica com a face inexpressiva, olhar perdido, não demonstrando sentimento ou reação, fazendo de conta que nada aconteceu ou não tem nada a ver com isso.

Como as crianças pequenas ainda não possuem o recurso da fala, tampouco o da falsidade, seus olhos exibem sentimento puro e dizem aquilo que a boca não consegue falar, mas em uma perspectiva diferente dos adultos.

A curiosidade sobre o mundo é maior que o medo, conseguem ver leveza em meio ao caos, enxergar encantos em uma simples bolha de sabão. Quando se olha as coisas de um jeito mágico, tudo fica mais bonito, até as coisas totalmente inexplicáveis tornam-se visíveis.

Dia a dia estou me tornando fluente no idioma dos olhos do Bernardo. Daqui a pouco ele vai começar a falar e se tornar adulto. Tomara que nossos olhos não percam a conexão de agora. Os olhos de uma criança falam somente as palavras necessárias, mas dizem tudo que precisamos saber. Quantas coisas cabem em um olhar?

O amor, de certo modo, é apenas uma maneira diferente de olhar para o outro.

3 comentários:

  1. Que leitura saborosa e cheia de explicações e ternura. Tem textos, como o seu, que o leitor não cansa de ler e gostaria de ver ele ainda mais estendido. Parabéns.

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  2. Amei Ildo sempre sábio e mágico com as palavras,matou a pau com esse último parágrafo

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  3. Me encantó este texto y me sentí muy identificada. Estoy también experimentando la comunicación con mi nieto de dos meses. Su mirada lo dice todo. No son necesarias las palabras. Siempre he dicho que los ojos son el reflejo del alma. Entre dos personas, muchas veces, no son necesarias las palabras. Se puede hablar con la mirada y decirse todo. Un placer, Ildo, siempre leerte y enriquecernos con tus aportes.

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