terça-feira, 10 de outubro de 2017

Invisível ou holofotes? A escolha na palma da mão.


Você entra no elevador com um vizinho e precisam subir juntos sete andares. Só que você não está com a menor intenção de conversar, tampouco de ser gentil. Como fazer para não parecer mal educado ou autista? Muito simples. Tire o celular do bolso ou da bolsa, aperte qualquer tecla, finja um certo ar de preocupação ou ansiedade e faça de conta que está se conectando com alguém muito importante. Imediatamente, e sem formalidade alguma, estará liberado para se alienar e ignorar totalmente quem estiver à sua volta.


O telefone portátil, além de todos aplicativos já desenvolvidos, adquiriu uma funcionalidade extra para a qual não foi originalmente projetado. É a função passaporte. Basta apresentar o aparelho em atividade e o visto para sair virtualmente do ambiente ou da conversa é concedido de forma automática. Os números indicam que essa manobra escapista está mais incorporada ao dia a dia das pessoas do que a finalidade intrínseca de efetuar ligações. Fingir-se conectado passou a configurar uma espécie de passaporte para o isolamento. 

 

Outra invenção para se distanciar das pessoas foi o tal de “selfie”, palavra de origem inglesa, derivada do termo self-portrait, traduzido por auto retrato. A pessoa posa e bate sua própria foto, geralmente com o objetivo de vir a ser compartilhada em uma rede social. Tornou-se tão popular, que foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford em 2013.

Uma bela selfie pode exigir horas na frente do espelho treinando o sorriso, procurando a iluminação adequada, o melhor ângulo, arrumando o cabelo pra lá e pra cá, enquanto o braço padece de tanto se esticar. Vale tudo para ser notado e curtido pelos demais.

Não seria mais fácil se aproximar de alguém e gentilmente perguntar se poderia bater a foto? O problema é que isso envolve conexão com o outro, humildade, conversação,  sugestões e, ao final, pelo menos um singelo agradecimento. É mais prático inventar algo que faça o papel de um braço mais longo, custe quase nada, elimine o contato humano e mantenha nossa indiferença com as pessoas: o famoso “bastão de selfie”. 

O paradoxo é que o telefone celular, desenvolvido com a finalidade de comunicação interpessoal, oferece simultaneamente a possibilidade de não se comunicar. Ao mesmo tempo em que disponibiliza uma absoluta facilidade de exposição nas redes sociais, pode funcionar como um escudo protetor, isolando e escondendo o usuário do mundo real. 

A vida é auto-retratada, documentada, mas não necessariamente captada em profundidade. Fulano aparece nas fotos, faz cara de feliz, abraça alguma celebridade, mostra sua taça de espumante, sem de fato estar experimentando aquele momento. A preocupação é com a qualidade da imagem e rapidez da publicação. Sobram registros externos, abundam amigos nas redes sociais, mas  faltam relacionamentos. Conviver fisicamente pode se tornar perigoso, melhor conhecer e analisar os outros pelas fotos e frases de efeito postadas. 

E a cada dia, a tecnologia nos brinda com mais evolução, desenvolvendo  novas gerações de aparelhos,
 mais inteligentes, com maior potência e aplicativos que prometem acabar com nossos problemas de relacionamento. Com a solidão? Não sei onde isso vai terminar.

Reza a lenda que se você parar de olhar para seu celular e erguer os olhos, irá ver árvores, pessoas, pássaros...Tudo em tamanho natural. E com a vantagem de poder até tocar, abraçar, cheirar. Sentir.






5 comentários:

  1. Escritores também podem utilizar textos para se proteger. Escondendo-se atrás de palavras bonitas que agradem seus leitores, mas que não lhe representem (escudos), ou, de forma oposta, dizendo aquilo que pensam de maneira cifrada ou subliminar para que apenas alguns entendam (adagas).

    ResponderExcluir
  2. Dr Ildo!Adoro teus artigos! Sou tua fã!Grande beijo

    ResponderExcluir
  3. Sinto que este texto ,Dr.Ildo ,esta de certa forma conectado com o seu questionário em procurar definir o amor.Eu também sinto que nossos I phones cheios de sofisticação servem de refugio para nos afastarmos ou para espelharmos algo que não somo ou que na verdade desejamos ser.Nao sou pretensiosa em dizer que não vivo tb esta quase insanidade..E sinto que o amor ou a falta dele faz parte disso.
    Eu consigo com meus olhos fora da tela do celular enxergar o invisível.Quantas vezes enxerguei o amor infinito de meu pai sentia por minha mae.Seus olhos sorriam com ternura,um toque singelo..um elogio.Hoje vejo casais jantando juntos cada um mergulhado em seu mundo online..distante.misterioso..vazio..Onde esta o olhar?Onde esta o carinho em passar a mao sobre o paleto para tirar um fiozinho..ou a mao delicada para limpar um pedacinho do doce que sobrou nos labios querido.Como queria um amor como minha mae teve.O filme que mais amo e um filme Argentino.Chama-se o s
    "Segredo de teus olhos".Com o ator Ricardo Darin.O que eu não daria por uma amor como aquele...E verdade Dr.Ildo..estamos nos afastando cada vez mais e a tecnologia esta nos ajudando.Mas eu não vou desistir.Vou levantar meus olhos da tela e vou sorrir com ternura e vou encontrar uma amor como vi com meus olhos no meu pai,nos romances.nos filmes , na vida..um amor simples,singelo,sincero..colorido.

    ResponderExcluir
  4. É notório os problemas trazidos pela tecnologia. Mas numa tentativa de perceber a alma humana posso observar que cada um tem suas características singulares. Podendo citar o medo, a timidez, ideias complexas e uma gama de outros elementos que impelem o homem a se conduzir de forma peculiar. Muitos autores argumentaram sobre a linguagem e estas variadas formas de expressarem atitudes e pensamentos, mas elas muitas vezes serão capazes de serem fiéis e precisas, ou não. A LINGUAGEM poderá ser uma tentativa de aproximação do "Eu e Tu",- Martin Buber? Mas poderá ela ser interpretada de outra forma, por longo tempo. Como levar o outro a entender que não sou responsável por sua interpretação . Podería pensar no imediatismo das coisas que desejo? Serei capaz de construir um relacionamento com o próximo, ainda que tenha que passar pela bela fase do cativar. Gostaria muito de saber de como abordar as diferentes Estruturas de Pensamentos na tentativa de construção deste novo que se faz tão presente. Tenho muitos questionamentos e estou sempre em busca de respostas.

    ResponderExcluir
  5. Dr Ildo. Quem sabe públicas um livro dos melhores textos! Vai ser um sucesso! Beijo

    ResponderExcluir