quarta-feira, 4 de maio de 2016

Causa ou acaso?



Eventos aparentemente aleatórios e inconseqüentes podem ser causa de grandes alterações. O simples bater de asas de uma borboleta na Amazônia, pode causar um tufão no Texas. Assim, uma xícara de café tomada pela manhã, pode alterar a vida de uma pessoa. Se o tempo que o indivíduo demorar preparando o café, fizer com que ele atrase dez minutos seu horário habitual e cruze com a mulher de sua vida na estação de metrô, ou não seja atropelado por um carro que atravessou o sinal vermelho, estamos frente a uma relação de casualidade.

Em sua “Teoria do Conhecimento”, David Hume, filósofo escocês, explica que as causas, aparentemente, acontecem antes dos efeitos. Causa e efeitos estariam conectados uns aos outros por uma relação de contigüidade. Numa série causal, há uma cadeia de causas e efeitos, onde um efeito pode ser causa de outro, e sempre uma causa terá uma outra que a antecede, constituindo com isso uma série causal infinita.

O que teria acontecido se, na minha adolescência, tivesse me declarado pessoalmente para aquela colega de aula, a mais bonita da turma, e ela tivesse me aceito como namorado? Hoje, os filhos dela seriam meus e o meu filho seria de outro homem qualquer? Quem sabe?

Quando estava no sexto ano da faculdade de medicina, precisava escolher uma especialidade para me diferenciar e crescer profissionalmente. Havia um leque de opções: ginecologia, cirurgia, oftalmologia, psiquiatria, radiologia. Poderia decidir por qualquer uma.

A escolha foi aleatória. Não pensei em mercado de trabalho, ganho profissional, horas de trabalho, estresse profissional. Achava muito interessante fazer as pessoas dormir e acordar, aliviando suas dores físicas. Sentia-me poderoso com as ferramentas anestésicas. Ninguém me aconselhou, simplesmente fiz um “X” na opção anestesia e ingressei na residência médica.

Se aqueles dois risquinhos de caneta entrecruzados do “X” houvessem sido feitos, por engano ou conscientemente, em outra opção, muito em minha vida poderia ter sido diferente. A começar pela cidade onde moro. Poderia ter feito especialização em cirurgia plástica e talvez escolhesse um centro fora do Rio Grande do Sul para estudar. Poderia neste ínterim, conhecer alguma estudante, poderíamos ter casado e estar até hoje morando nesta outra cidade. Poderia ter recebido uma proposta de trabalho no exterior. Muitas coisas poderiam ter acontecido em minha vida.

Fernando Pessoa escreveu uma poesia em que diz:
Se em certa altura tivesse voltado para a esquerda em vez da direita;
Se tivesse dito sim em vez de não ou não em vez de sim;
Se em certa conversa tivesse dito as frases que só agora, no meio do sono elaboro,
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente outro também.

Einsten achava que viagens no tempo são possíveis, porque o espaço é curvo e deve haver algum ponto no infinito em que ele se encontra consigo mesmo. O cosmo seria como uma cobra mordendo a própria cauda, motivo pelo qual alguns filósofos utilizavam o símbolo de uma serpente mordendo a cauda para representar o ciclo da energia universal que nunca se esgota, pois se alimenta de si mesma.
 
Hawking também disse acreditar nessa possibilidade, mas sob certas condições. Ele diz que se pudéssemos voltar ao passado, não poderíamos interferir na História, porque ela é feita de atos que se despregam dos seus executores tão logo são realizados. Os personagens passam, a história fica. Seriam algo semelhante aos quadros de um pintor, as estátuas de um escultor, os textos de um escritor.

É confortador saber que nossos atos despregam-se de nós tão logo são produzidos. Seria extremamente difícil carregar cada ato para o momento seguinte. Chegaria o dia em que o peso ficaria tão grande que não conseguiríamos dar um único passo adiante. Nossos atos são como setas lançadas de um arco em direção a um alvo. Nem sempre os atingem, mas jamais voltam ao arco para serem lançadas novamente. Resta-nos apenas administrar suas conseqüências.

Ao que sabemos hoje, o passado não retornará e o futuro é uma incógnita. Mesmo que conseguíssemos voltar ao passado, as condições ambientais seriam diferentes em cada momento do tempo. Assim, quando a borboleta batesse as asas de novo na floresta amazônica, as coisas no universo já estariam diferentes e os efeitos que ela havia provocado anteriormente, não mais se repetiriam. É o princípio da incerteza, e isto é o que pode dar sentido e graça a vida. Talvez em todas as nossas conquistas, devamos muito mais ao acaso do que somos capazes de perceber, mas, sempre é bom lembrar, que talvez o acaso não exista.

Um comentário:

  1. Muito bom Dr Ildo! Uma onda de alegria se formou com o retorno de um colega aposentado...e se não tivesse voltado..não o teria conhecido, não teria sua parceria tão alegre e sem duvida eu não seria tão feliz como sou hoje!

    ResponderExcluir