sábado, 24 de novembro de 2012

Preço da consulta médica

Prezado Cliente:

Talvez você não esteja satisfeito com a qualidade de meu trabalho como médico. Admito também não estar gostando da maneira como venho realizando as consultas,  e este é o motivo desta correspondência. Talvez juntos, possamos encontrar uma solução para este problema.

Em virtude da baixa remuneração oferecida aos médicos pelos planos de saúde (consulta entre 30 e 60 reais), preciso atender um número excessivo de pacientes para dar conta de despesas tais como aluguel, secretária, telefone, livros, congressos, anuidades de conselhos regionais, impostos...

Isto ocasiona um tempo médio de atendimento por paciente de 20 minutos, insuficiente para uma consulta de qualidade, por mais experiente que o médico seja. Estas consultas expressas geram insegurança, tanto do paciente quanto minha, pois torna-se impossível  examinar e dar as orientações necessárias lutando contra o relógio. Além disto, se você quiser marcar consulta comigo, a agenda estará sempre lotada. Provavelmente terei horário para lhe atender dentro de dois ou três meses. Sinto-me frustrado com este sistema de atendimento.

A opção de largar o plano de saúde e só atender pacientes privados é inviável, tanto para você, que talvez não tenha recursos disponíveis e troque de médico, como para mim, que corro o risco de ficar com o consultório vazio. Pensei numa alternativa e gostaria de saber sua opinião.

Pretendo reduzir os pacientes de meu consultório para uma quantidade que permita passar mais tempo com cada um deles. As consultas serão mais tranqüilas, haverá facilidade em agendar horários (no máximo para o dia seguinte ou o próximo), desaparecerão os inconvenientes da sala de espera e meu telefone celular ficará disponível 24 horas por dia.

Este projeto pretende valorizar dignamente sua saúde e seu tempo. A espera não fará mais parte de sua experiência de atendimento médico. Você será ouvido, examinado e as dúvidas esclarecidas sem pressa ou atrasos. Para fazer parte deste seleto grupo de  pacientes, cobraremos uma taxa anual de 1500 reais, referente ao atendimento preferencial.  As consultas continuarão sendo normalmente financiadas pelo plano de saúde, você estará pagando apenas pelo direito de exclusividade no atendimento.

Não gostaria de perdê-lo como paciente nem tampouco abandoná-lo, mas mudanças no sentido de um atendimento mais humanizado e eficaz tornam-se necessárias. Caso queira participar deste novo projeto, entre em contato com nossa secretária e faça sua inscrição. Lembre-se, as vagas são limitadas.

Este é um texto de ficção. Apesar da carta ser imaginária, os fatos são reais e você já deve ter vivenciado uma experiência de insegurança, espera ou atraso semelhante. Qual  sua reação ao receber uma correspondência com tal teor? Espanto? Indignação? Indiferença? Alegria?

A medicina sempre foi encarada como um sacerdócio e não um negócio. Médicos ficavam constrangidos em tratar honorários, terceirizando aspectos monetários para outras pessoas. Nosso mundo agora é essencialmente capitalista, portanto quem dita as cartas é o mercado, e a regra do jogo chama-se lucro.  Os planos de saúde, aproveitando a negligência médica no assunto dinheiro, assumiram o controle de preços e instituíram um sistema de pagamento que não está sendo capaz de alinhar oferta com demanda. Resultado: ineficiência no atendimento médico.

A carta fictícia foi utilizada apenas como um sinalizador de problemas no sistema de saúde e tem por objetivo reflexão. Pressionado pelo mercado e asfixiado com as contas em seu consultório, o médico buscou como salvação uma alternativa igualmente capitalista. Não cabem julgamentos. O fato é que o valor da consulta médica não pode ser medido pelo preço pago. Existem coisas que estão acima do dinheiro, saúde é uma delas, mas infelizmente o mercado  não reconhece estes limites.

A consciência é o melhor mestre em termos de moral, mas é o que menos se consulta. Uma pena, porque a solução do problema saúde só será digna se passar pela prova do travesseiro.

2 comentários:

  1. Tentei fazer uma recíproca de inversão contigo e percebi que tua reflexão é pertinente, faz sentido. Depois voltei ao meu mundo e considerei o número de profisssionais da saúde que consulto como rotina ao longo dos anos. Poderia citar: clínico geral, ginecologista, neurologista, dermatologista, dentista e por aí vai...Fiz um cálculo aproximado e o total foi preocupante considerando todas as demais despezas que costumamos ter não só para sobreviver mas também para "viver antes de morrer". Realmente, este é um problema de dífícil solução mas os planos de saúde, com certeza, acharam a mina de ouro!

    Acredito que os nossos raciocínios estão corretos.

    Um abraço!

    Mariza Z. Niederauer

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  2. Embora seja, na teoria, um dos mais modernos sistemas de saúde do planeta, o Sistema Único de Saúde do Brasil ainda está longe de ser, na prática, a conquista do papel. Profissionais mal remunerados, filas imensas, burocracia. É claro que devemos incluir neste raciocínio a visão doentia que grande parte da população, cria de si mesma. A cultura da doença, da vítima, de chamar atenção.

    Contra esta realidade, surgiu como alternativa em nosso país os planos de saúde, sejam eles particulares, como o seguro saúde dos bancos, quanto os organizados em cooperativas. No início, quando surgiram, estes planos e seguros saúde eram eficazes, fluíam e atendiam as necessidades dos seus clientes.

    Hoje já não dá para dizer a mesma coisa sobre estes planos e seguros saúde. Nós, como usuários, às vezes temos a impressão de que estamos pagando por um novo SUS, um SUS um pouquinho melhorado.

    Para se marcar uma consulta particular é uma facilidade, mas quando se fala que é plano de saúde a dificuldade aumenta, a ponto de se levar três, até quatro meses aguardando por um especialista. Um amigo meu reclamou que estava com problemas cardíacos e que só conseguiu marcar consulta com um cardiologista quatro meses depois.

    Ildo Meyer, amigo e filósofo clínico, é médico em Porto Alegre e escancarou esta realidade em seu site. “Em virtude da baixa remuneração oferecida aos médicos pelos planos de saúde, preciso atender um número excessivo de pacientes para dar conta de despesas tais como aluguel, secretária, telefone, livros, congressos, anuidades de conselhos regionais, impostos. Isso ocasiona um tempo médio de atendimento por paciente de 20 minutos, insuficiente para uma consulta de qualidade, por mais experiente que o médico seja”.

    Como se isso não bastasse, recentemente fui a uma clínica particular fazer uma tomografia emergencial, pois no hospital do meu plano não tinha vaga para aquele momento, e qual não foi minha surpresa quando não pude seguir com o procedimento porque não havia autorizado. Tentei de todas as formas fazer o exame e depois trazer a autorização, sem sucesso. Tive que ir à sede da administração do meu plano para a tal autorização. Aproveitei e dei carona à dona Cleusa e sua acompanhante; aquela, uma senhora de bengala no alto dos seus 76 anos que teria que também ir atrás da tal autorização pegando dois ônibus e perderia praticamente o dia todo.

    Ao chegar no local indicado, tudo livre. Rapidamente sou chamado. Entrego a guia a atendente que não pede nenhum documento como identidade ou CPF, apenas checa alguns dados na tela do computador e carimba a folha. Simpática, ela me olha e diz: “Pronto, está autorizado”. Eu não acreditei no que estava passando, por fração de segundo me senti manipulado, usado, pois constatei que todo este trabalho poderia ser efetuado por e-mail, telefone, enfim, poderia ser facilitada a vida de nós usuários. Na era da informação preciso atravessar a cidade em busca de um carimbo, é inacreditável. A menos que o objetivo não seja este, pelo contrário.

    É assim como o mundo me parece hoje. E você, como analisa alguns planos e os seguros saúde, estão se transformando em um novo SUS?

    Beto Colombo
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