terça-feira, 30 de agosto de 2011

Nunca foi tão fácil cuidar da saúde

Nunca foi tão fácil cuidar da saúde. Tive uma experiência para comprovar esta hipótese. Ao acordar pela manhã, percebi uma cor avermelhada, tipo sangue diluído, em minha urina. Antes de contar para alguém ou tomar qualquer atitude, procurei  informações na internet.

Digitei as palavras “Sangue na urina” e encontrei um milhão e oitocentos mil resultados. Refinei a busca digitando “Sangue na urina – o que pode ser?”. Setecentos e quarenta e dois mil resultados.  “Sangue na urina em homens” – Quinhentas e trinta e seis mil citações. Procurando bem encontraria sintomas parecidos com os meus e informações sobre diagnóstico e tratamento.

Depois de ler alguns artigos, fiquei assustado e nem fui adiante. Infecção urinária, cálculos renais, glomerulonefrite, rins policísticos, tumor dos rins, tumor de bexiga, tumor de próstata, abuso de analgésicos, traumatismo renal eram possíveis causas de minha urina avermelhada. Toda essa informação, ao invés de tranqüilizar, me deixou sem saber o que fazer. Decidi esperar as próximas micções e observar melhor a coloração.

Três horas depois, além de um vermelho bem mais forte, senti também ardência ao urinar. O que fazer agora? Quem sabe foi um cálculo sendo expelido? Vai ver foi aquele analgésico que tomei na segunda-feira? Pode ser uma infecção muito leve que vai curar sozinha? Tomo o antibiótico indicado na internet? Mas e se for um tumor maligno?
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Achei que deveria procurar um médico urologista. Consultei o livro do meu plano de saúde e encontrei 123 especialistas. Como escolher? Sem nenhuma referência de familiares ou conhecidos, precisei adotar um critério de seleção. Vizinhança e disponibilidade foram determinantes.  

Telefonei para dez médicos. Um me atenderia no mesmo dia, três naquela semana, cinco dali a quinze dias e um no próximo mês. Descartei o médico do atendimento imediato, pois pré julguei que a prestatividade era devida a ociosidade do consultório. Aproveitei o fato de que a consulta seria paga pelo plano de saúde e agendei horário com os três que dispunham tempo durante a semana.

Todos solicitaram exames semelhantes e foram inconclusivos em relação ao diagnóstico. Precisavam aguardar os resultados. Confesso que o Doutor “A” me passou mais segurança e se tivesse que optar, ficaria com ele. Queria ouvir a opinião dos três sobre o meu caso, por isso retornei para as reconsultas.

O diagnóstico foi unânime: cálculo renal, porém as condutas foram diferentes. Cada qual me colocou os prós e contras de manter uma conduta expectante, retirar os cálculos por endoscopia, bombardeamento com ondas de choque ou implante de cateter ureteral. Assinei documentos onde afirmava que tinha ciência de meu diagnóstico, das alternativas de tratamento propostas e dos riscos inerentes.

Nunca foi tão fácil cuidar da saúde. Nunca houve tamanha autonomia e liberdade de escolha. Pesquisei um milhão e oitocentas mil citações, consultei três especialistas. Poderia ir além. Mesmo assim, não sei o que fazer. Estou em um dilema, três médicos e três condutas diferentes. Preciso tomar uma decisão, mas tenho medo de fazer a escolha errada. Tenho a informação, mas não sei lidar com ela; possuo autonomia, mas tenho medo da responsabilidade.

Parece que antigamente, quando só havia um urologista e poucas informações disponíveis, tudo era mais fácil. A alternativa era ir ao médico e seguir sua prescrição. A obrigação de acertar era dele. Agora uma parte da responsabilidade foi transferida para o paciente, um leigo que não sabe quase nada de medicina, está doente e ansioso, mas pode e quer compartilhar decisões sobre sua saúde.  

Se três médicos com formação especializada, depois de examinarem o mesmo paciente indicaram tratamentos diversos, imagine o estrago que pode acontecer quando um leigo se debruça sobre mais de um milhão de opiniões e resolve se automedicar. O risco é grande.

Leia bastante, informe-se ao máximo, pesquise à vontade, utilize todos os recursos para encontrar o médico de sua confiança. Disponibilidade, vizinhança, propaganda na mídia, páginas amarelas, livro do convênio, sites na internet são critérios complementares de escolha. Procure por competência, experiência, segurança, ética, empatia e sobretudo, boas referências de atendimento e resultados.    Mas não perca tempo, eleja o “seu médico de confiança” antes de ficar doente e quando precisar, discuta suas idéias com ele. Não se preocupe, a última palavra será sempre sua.   

Obs. Este é um artigo de ficção, escrito com o intuito de sensibilizar pacientes, médicos e administradores sobre a responsabilidade pelos cuidados com a saúde.


Um comentário:

  1. Primeiramente gostaria de te deseja uma boa Pessach! Interessante a forma como pode ser vista sob o olho clinico. Em 2015, durante o percurso viagem em direção ao Encontro Nacional de Filosofia Clínica, senti tal desconforto de ardência e durante o evento em uma das noite ao retorna de um restaurante tive a ditas cólicas, é claro que me mediquei, havia levado um kit de socorros. Pois quem tem alguma pessoa com este tipo de problema em família possivelmente o reconheça, porém ele poderá surgir com outros sintomas que poderão mascarar e agravar a doença... Mesmo que o texto seja de ficção, ele aproxima o lado mais brando desta desta doença que se apresenta penosa para muitos.

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