sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A mentira mais cruel

Já imaginaram como seriam as relações se os pensamentos fossem abertos e pudessem ser lidos pelos outros? Provavelmente a convivência se tornaria impraticável. Atração, desejo, amor, fantasia ou suas ausências seriam captadas por telepatia instantaneamente. Raiva, desprezo, falta de admiração e ímpetos de terminar um relacionamento não teriam a possibilidade de dissimulação. Quem sabe assim teríamos um mundo mais honesto, mas estamos preparados para isto?

A resposta é um categórico NÃO. Desde que o homem começou a falar, inventou a mentira romântica. Aquela que é dita dentro de um relacionamento amoroso para agradar ou não magoar o outro. Funciona como uma forma de ilusão, ajudando a formar casais, construir famílias e viver em sociedade. Talvez o nome “mentira romântica” não seja o mais adequado, pois mentira não tem nada de romantismo, mas enfim...

A maioria das pessoas não tem sequer a coragem de discutir os problemas do cotidiano, os sentimentos, as mudanças no desejo e em seu objeto, e não quer encarar de frente a situação. Isto leva parceiros a mentir para que o assunto “nós dois” seja adiado indefinidamente. Uma mentirinha aqui, outra ali, uma omissão acolá e todos saem mais ou menos felizes. Ninguém ferido mortalmente. Uma solução fácil, rápida e sem muito sofrimento. Será mesmo?

A mentira romântica se tornou um mal necessário e até mesmo uma rotina em nossas vidas. Funciona como uma espécie de calmante, formando uma nuvem de fumaça colorida, com efeito sedativo imediato e quase sempre de confusão a longo prazo. Assim como o álcool, este tipo de mentira também é tolerado em doses pequenas, pois existe um reconhecimento não formal de que nem sempre nossos sentimentos são compatíveis com o modo tradicional de relacionamento e com as regras que nós mesmos criamos. Assim, a falsa moral releva e até perdoa estas “pequenas mentiras”, que passaram a ser usadas quase que sem pensar em suas conseqüências.

Atire a primeira pedra quem nunca falseou com a verdade para não desagradar ao outro. Talvez algumas raras e virtuosas pessoas jamais escondam seus sentimentos, mas para a maioria dos seres humanos, mentir é simplesmente inevitável.

Acontece que não existem mentiras pequenas ou meias mentiras. Neste território insalubre só existem duas possibilidades: verdade ou mentira. E a mentira tem um preço. Não gostaria de entrar no mérito da quebra de confiança ou nas conseqüências das ditas mentiras criminosas, intencionais, premeditadas, do tipo não roubei, não trai, não fui eu...o foco aqui são as mentiras sentimentais, românticas, utilizadas como amortecedores contra a dura verdade. O preço a pagar é a omissão de uma parte dos sentimentos em troca de falsas declarações. Pensar algo e dizer o contrário.

Muitas vezes quando um parceiro pergunta ao outro se esta gordo(a) ou bonito(a), na verdade gostaria de saber se ainda é amado(a), apesar da imagem corporal que esteja apresentando. Se o companheiro tenta agradar e desonestamente responde que está bonito(a), quando o percebe gordo(a) e desengonçado(a), pode estar criando um problema para ambos. Não seria mais correto afirmar: eu te amo, mesmo com esses quilinhos a mais...?

Ao dizer aquilo que não se pensa estamos praticando uma agressão, mas não contra quem recebe, e sim contra quem a pratica. Será que não dói dizer eu te amo, quando o que existe mesmo é dependência econômica, insegurança e medo da solidão? Ou não dizer, quando o amor é mais do que evidente? A traição é contra os próprios sentimentos, contra a honestidade e contra o eu interior, que se tiver um pouco de integridade e consciência vai ter que escutar a voz contrariada dos sentimentos reclamando das palavras ou atos praticados. O grande problema talvez nem seja a mentira propriamente dita, mas os motivos que nos levam a mentir, pois as mentiras mais cruéis são aquelas que dizemos para nós mesmos, em silêncio.
Leia mais no site www.ildomeyer.com.br
.

3 comentários:

  1. Dr.Ildo
    diria que seu texto é "brilhante" se não fosse possível ler o que "falam os olhos". Quando proferimos uma inverdade os olhos nos traem, nossa pele perde a "vitalidade". A mentira é cruel com nossa aparência. Óbvio que a maioria dos mortais não se apercebe desses detalhes mas, basta um pouco de sensibilidade e o mentiroso "está n'água".
    Dou-lhe aqui um bom motivo para a continuidade do seu texto.

    ResponderExcluir
  2. Olá! Tudo bem? Li seu texto e, imediatamente, lembrei de um outro que tangencia o mesmo tema: o das mentiras "necessárias" ou piedosas. Ressalto que a crônica não é minha e sim da Danuza Leão. Acho que, de certa forma, ela concorda com o senhor. Transcrevo:

    "Houve um tempo em que traição era crime, e quem traía perdia o direito até aos filhos, e nesses tempos remotos a traição se chamava adultério. As coisas mudaram, mas eu acho que a traição continua sendo crime - e hediondo. Devo ter sido traída várias vezes - afinal, quem não foi? -, mas dei a sorte de nunca ter tido a certeza. Porém, sofri tanto só de desconfiar que não desejo isso nem para minha pior inimiga. Que mentira: para ela eu desejo, sim. Ainda mais se ela for aquela grande amiga que, eu supeitava, estava tendo um caso com meu marido. Traição de homem a gente tira de letra, sempre se soube que a raça masculina não resiste a uma coxa durinha, bem queimadinha de sol. Eles são infantis e nunca vão mudar. Mas essas coisas a gente perdoa, pois é tão bom quando ele nos cobre de beijos e diz que é tudo imaginação, que somos loucas. Mesmo que seja tudo mentira, é tão delicioso escutar essas declarações de amor que a gente acredita. Mas existe uma traição difícil de engolir: é a traição pública, aquela que todo mundo fica sabendo. Aí é difícil perdoar, e, mais ainda, esquecer. É quando me vem à cabeça o affair Clinton. Os primeiros tempos devem ter sido horríveis, mas, como não dava mesmo para negar, eles decidiram ficar juntos. O.k. Tinha a política, Hillary queria ser eleita senadora e conseguiu. Imagino que nos primeiros dias eles tenham ficado a maior parte do tempo calados; falar de quê? Mas as coisas foram se acalmando e uma bela noite ele deve ter tentado uma transa. Os homens sempre acham que uma boa transa apaga todos os erros cometidos (por eles). E é isso que me põe curiosa: será que, quando ela olhou nos olhos dele, bem de perto, não pensou, automaticamente, em Monica Lewinsky? E aí, será que deu para ir em frente? Houve um tempo em que os homens negavam tudo. Pela minha alma", eles diziam, ou "pela alma de minha mãe", pobre mãe. Depois veio a onda do modernismo, em que as mulheres até compreendiam uma traição, mas eles tinham que contar: era a época da sinceridade acima de tudo. Pois eu espero que o homem que me trair tenha a delicadeza de negar sempre. Não me interessa que ele seja sincero e verdadeiro; quero achar que ele nunca me traiu, e para isso ele pode (e deve) mentir descaradamente, dizer que estou pirada, que caia um raio em sua cabeça se estiver mentindo. Como nenhum raio vai cair mesmo, ele pode falar à vontade; eu vou acreditar em tudo e ficar bem feliz. Um dia eu li num jornal que um casal francês bem idoso estava sentado num banco do jardim de Luxembourg, em Paris, conversando, quando ela perguntou se ele tinha ou não tido um caso com uma tal fulana, 50 anos atrás. Afinal, tanto tempo já havia passado, ele podia dizer. O marido confessou, e a velhinha deu-lhe uma dentada na orelha tão violenta que ele foi parar no hospital. Trair, ainda vai, mas confessar, jamais."

    Como pode ver, a alma humana tem dessas coisas...

    ResponderExcluir
  3. Ildo


    "É relativamente facil saber o que os outros pensam, dificil é ter estomago..."

    (isso vale para o outro nós tb)

    carinho

    Renata

    ResponderExcluir