sábado, 26 de setembro de 2009

Voltar a ser feliz

Um dos critérios estabelecidos para fixar o valor de um produto ou serviço é sua raridade. Quanto mais difícil de ser encontrado, maior seu valor. Considerando o alto consumo de medicação antidepressiva e a busca cada vez maior por tratamento psicológico, poderíamos supor, mercadologicamente falando, que nem todos são felizes, sendo portanto a felicidade uma mercadoria rara e de alto custo.

Digamos que a felicidade estivesse à venda, qual poderia ser o seu preço?
Dois mil reais parece um preço justo para ser feliz?

Provavelmente alguns pagariam sem pestanejar, outros transformariam a felicidade em objeto de desejo, economizando uma vida inteira para comprá-la, e outros mais, achariam o preço elevado e gastariam seu dinheiro em outras coisas.

E se o preço da felicidade fosse maior ainda, por exemplo, cem mil reais, haveria compradores? Imagine a economia de pagar esta quantia uma só vez na vida, podendo até parcelar ou financiar e nunca mais se preocupar em trocar de carro, fazer lipoaspiração, comprar uma casa maior, ser mais bonito, ter mais poder... Ao comprar a felicidade, uma espécie de software de computador, as pessoas passariam a usufruir de uma sensação de plenitude, automaticamente anulando a necessidade de novas buscas e com isto, mais despesas. Se fizermos as contas na ponta do lápis, cem mil reais ainda pode ser um preço muito barato...

Enquanto este software não é inventado, produtos e serviços são oferecidos para suprir esta demanda. Carros novos, tratamentos de beleza, hotéis de luxo, sapatos, jóias funcionariam como caminhos para se alcançar a felicidade.

O problema com estes objetos de desejo é que funcionam como similares, não são a fórmula original. Por se fixarem na materialidade, tem prazo de validade e em pouco tempo perderão seu efeito. O sapato sairá da moda, o carro vai estragar, a jóia não combinará mais com o vestido, surgindo então o desejo por outros produtos com promessas melhores de felicidade.

Antidepressivos, drogas, bebidas alcoólicas, orgias gastronômicas também estão disponíveis como atalhos para a felicidade, mas seu efeito é paliativo, oferecendo satisfação imediata, porém provisória.

Assim funciona a humanidade, desejando a felicidade original, porém comprando a felicidade comercial, mais barata e de efeito reduzido.

Quem já provou a dor, sofreu, se amargurou, consegue ter uma noção mais clara do quanto pagaria para voltar a ser feliz. Abrir os olhos pela manhã e ao invés da escuridão passar a ver passarinhos verdes e borboletas azuis. Qualquer preço seria barato.

Acontece que felicidade não tem preço. Tem valor. E valor não é medido apenas por raridade. Muito menos por preço. É uma pena que ainda exista tanta confusão. Definir felicidade é algo muito complicado, mas quem já a encontrou, sabe que é um sentimento tão simples, que às vezes podemos encontrá-la e sem perceber, ignorá-la, deixando-a ir embora, tamanha sua simplicidade.

No caso da felicidade, o valor está justamente na capacidade de satisfação com a imaterialidade. Sentir que nada mais é necessário para a plenitude. Dar por encerrada a busca e passar a usufruir. Simples assim. O problema é que logo surgem novos desejos, e na busca destes, a felicidade muitas vezes vai embora.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aos Leões...

Semana passada tive uma experiência muito interessante. Gostaria de recomendá-la. Existe um espaço na Câmara Municipal de Porto Alegre aberto à voz da comunidade chamado Tribuna Popular, onde o cidadão sobe ao púlpito e tem direito de expor suas idéias diretamente aos vereadores, que as escutam e podem também se pronunciar, se for o caso. Aproveitei a oportunidade e apresentei ao plenário uma palestra sobre o “Exercício da Ética”.



As sessões são abertas ao público, como não poderia deixar de ser, já que a Câmara existe e funciona como órgão representativo da sociedade. Sendo assim, convidei algumas pessoas para acompanharem o evento e observar o desenrolar da palestra, pois tinha curiosidade de saber como os vereadores receberiam o assunto “ética” quando este se confrontasse com o comportamento de alguns políticos.


Não fui o único a falar. Antes houve a manifestação de um líder comunitário a respeito dos constantes alagamentos que acontecem em sua vila e da ausência de providências por parte do Executivo municipal, que não conclui as obras necessárias. É sobre esta experiência que quero refletir.


A vila compareceu com quase 200 pessoas à sessão. Cidadãos humildes, que improvisaram faixas e cartazes, cotizaram-se para pagar passagens de ônibus e buscavam sensibilizar os vereadores para a precariedade de suas condições de habitação.


Depois da exposição do problema, os parlamentares iniciaram seus pronunciamentos. Cada representante de partido subia à tribuna e, dependendo de sua bandeira, acusava ou defendia o governo, fazia pronunciamentos calorosos, chamava o colega de demagogo, mostrava sua plataforma trabalho, ressuscitava escândalos e exigia réplicas, em uma seqüência que despertava manifestações públicas ora de vaias, ora de aplausos. Um verdadeiro show. Para alguns, até um circo.


Também é verdade que todos ofereceram seu apoio à causa e o máximo empenho em buscar uma solução emergencial para a vila. O fato que mais me chamou a atenção é que, durante quase 90 minutos, foi desenvolvido uma espécie de debate em que cada parlamentar justificava a ação de seu partido e aliados em prol da vila, acusando os demais de omissão, em um movimento exatamente igual a uma campanha eleitoral.


Não estou fazendo julgamentos, mas como mero observador (e como cidadão que vota) pude constatar muito discurso e pouca ação. Preocupação em autopromoção, justificativas e aplausos. O que não consegui ver nem sentir foi a união de esforços em torno de um objetivo comum, ou seja, o término dos alagamentos. Não sei como se sentiram os representantes da vila. Talvez tenham ficado satisfeitos, pois como na Roma antiga, assistiram a um grande espetáculo.


Ao final da sessão, tanto eu quanto meus convidados saímos com uma certeza: se os eleitores acompanhassem de perto as posições e iniciativas dos parlamentares que elegeram, teríamos um país mais sério, ético e acima de tudo, mais justo. A Câmara Municipal ainda está de certa forma mais próxima dos seus eleitores, mas imagine a Assembléia Legislativa, onde muitos dos que lá estão foram eleitos por pessoas do interior do estado, que jamais assistirão a uma sessão plenária em Porto Alegre. E o que dizer então dos deputados federais e senadores em Brasília? Talvez por este distanciamento, seja considerada uma Ilha da Fantasia.


E a vila? Provavelmente continuará com alagamentos quando vier a próxima chuva.
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