sexta-feira, 17 de julho de 2009

DIAS ÚTEIS PARA QUEM?

Seis horas da manhã. Toca o celular mostrando os compromissos do dia. Imploro ao despertador mais cinco minutos na cama. Quando o sono está quase retornando, outro alarme. Hora de levantar. A partir deste momento o tempo começa a correr. E corre contra mim. Banho em piloto automático, frio, inverno, café solúvel, micro-ondas. Garagem, porteiro eletrônico, lugar pra estacionar, parquímetro, onde estão as moedas? Elevador cheio, jornal, Michael Jackson, gripe suína. Telefone, reunião, faxineira, supermercado, eletricista, almoço com cliente, cafezinho, academia, celular, e-mail...

Benjamin Franklin criou uma das regras do capitalismo: “tempo é dinheiro” . A partir daí, passamos a nos preocupar em não desperdiçar tempo para produzir cada vez mais. E sem perceber, acabamos nos viciando. Cada dia surgem novas maneiras de “ganhar” tempo. Aprenda qualquer idioma em apenas trinta dias, emagreça sete quilos em uma semana, com apenas um toque... Versões compactas de livros, novelas e partidas de futebol. Macarrão instantâneo. Fast-food.

A sociedade valoriza quem trabalha e produz. Experimente dizer que não está fazendo nada, que imediatamente as pessoas demonstrarão uma imensa habilidade em arrumar algo para você fazer. Nem é preciso alguém lhe dizer, você mesmo se sentirá culpado.

Estamos viciados não só em trabalho, mas em arranjar algo para fazer com o tempo livre. Se não estamos trabalhando, temos que preencher o tempo com lazer. Cinema, festas, televisão, futebol, leitura, palavras cruzadas, torpedos, internet, clube, praia, serra. E passamos então a considerar estes raros momentos como válvulas de escape para o estresse. Acontece que como viciados, mesmo nestes supostos descansos mentais, permanecemos alertas e vigilantes. Não conseguimos sair de casa sem o celular e o computador. Precisamos estar conectados para alguma emergência, não esperamos nem o avião estacionar para religar o telefone celular.

Perdemos a capacidade de relaxar. Não temos mais o prazer da contemplação. Não podemos ficar sem nada para fazer. Esperar virou um palavrão. Mas afinal, o que é tão assustador em simplesmente não fazer nada por um tempo e se desligar do mundo exterior? Aparentemente ao nos mantermos sempre conectados, atualizados e ocupados não somente ficamos como também passamos adiante a ilusão de que temos a situação sob controle, e isto atenua nossa ansiedade.

Empresas da área tecnológica, percebendo o estresse gerado nos intervalos de tempo improdutivos tanto no trabalho como no lazer, criaram o conceito de “microboredom” – micro-tédio, onde novos produtos buscam preencher os vazios da ansiedade. Tédio não é uma coisa ruim. Faz bem deixar a mente viajar em pensamentos e emoções, em silêncio, sem se movimentar, sem horários, sem interrupções. Sem culpas e sem preocupações.

Não estou falando de ócio com objetivo criativo. É simplesmente ficar de bobeira mesmo. Um dos poucos luxos a que ainda podemos ter acesso. Passar um tempo desvinculado do mundo exterior para darmos uma chance de ficarmos por inteiro com a gente mesmo. Sentirmos, observarmos, percepcionarmos, despertarmos.

Não é fácil não fazer nada. Num primeiro momento pode surgir ansiedade e agitação. Pode-se até ficar muito cansado por nada fazer. Quer tentar? Deite no sofá e fique olhando para o ontem. Apenas dez minutos focados no passado. Não conseguiu? Experimente então não fazer nada quando estiver na fila do banco ou na sala de espera de um médico. Esqueça o celular, revistas, lista de tarefas. Fique só respirando e contemplando. Não conseguiu de novo? Tente então não fazer nada enquanto estiver de carona no carro de alguém. Não escute o rádio, não pegue o celular, não coma, não se olhe no espelho, não converse. Apenas observe a paisagem. Imagine agora o dia em que você conseguir fechar os olhos, bloquear tudo e permanecer calmo no meio do caos. Seja num dia agitado no escritório ou num dia chuvoso com as crianças trancadas em casa. Este é um privilégio que nem todos podem alcançar. Se conseguir, você vai adorar, pois é uma das poucas coisas que o dinheiro não pode comprar.
Em um mundo em que todos querem ganhar tempo para juntar dinheiro, finais de semana e madrugadas estão se transformando em horários de trabalho e muitos não sabem mais como é viver. Trabalham como se nunca fossem morrer. Não admitem uma parcela de tempo dedicada para nada. Esqueceram que foi justamente do nada que um dia surgiu a luz.

Quando foi a última vez que você passeou no parque às 15 horas? Sábado não vale. Estou falando de uma terça ou quarta feira. Um dia útil.

Dia útil para quem, afinal?


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2 comentários:

  1. Boa Tarde Ildo!

    Que show! Acho que sou igual a ti, e somos iguais com muitos por ai. Este treinamento só ocorre quando depois de muitos sinais do organismo que não agüenta mais o “fazer tudo e de tudo”, torcemos o tornozelo e o nosso “Dr.” manda ficar paradinho por alguns dias..... ou uma torção na coluna e não se pode nem dançar..... bem ai o bicho pega mesmo. Mas quando se consegue parar, ate de pensar e apenas imaginar um local lindo num consultório percebemos que podemos, que também faz bem parar e não fazer nada( pior que tudo por experiência própria).

    Adorei! parabéns! Como sempre.

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  2. Maria Rejane da Costa20 de julho de 2009 às 18:46

    Dr. Ildo,
    A D O R E I seu texto!
    Sempre dediquei uns dez, quinze minutos do meu dia para essa pratica. Também acho importante dar um tempo para que o organismo assimile os alimentos, por exemplo. Estando com nosso cérebro desocupado deixamos de gastar energia no "andar de cima" e recarregamos nossas baterias. Esse é um exercício difícil de realizar, sei bem, pois até chegar a esse "desligar", foram necessárias algumas décadas.
    Tenha uma ótima semana e um feliz dia do amigo.

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