segunda-feira, 4 de maio de 2009

A TROCA DO INSUBSTITUÍVEL




Durante vinte e cinco anos André trabalhou na mesma empresa. Começou como faxineiro e foi sendo promovido até alcançar o cargo de gerente executivo. Dedicou corpo e alma ao trabalho, conhecia com detalhes todos os setores. A empresa era seu lar. Um belo dia, ao entrar em sua sala, recebe a noticia de que foi demitido. Substituido por um funcionário mais jovem, mais graduado e menos oneroso para a empresa. Esta não é uma história rara, pelo contrário, está cada dia mais frequente.

André ficou muito magoado e porque não dizer, decepcionado. Gostaria de ser considerado uma pessoa especial e não ser trocado por um “alguém” qualquer. Com que direito André pode ficar contrariado e se achar insubstituível? Afinal de contas, pessoas são ou não são insubstituíveis?

Acredito que cada ser humano trabalhe e conviva com suas características únicas e especiais, e na impossibilidade ou ausência do mesmo, uma reposição possa ser feita para que outro ocupe o seu lugar. Não se trata de substituição, mas de ocupar o lugar deixado vago. Todos somos insubstituíveis. Quem sabe o outro possa trabalhar e se relacionar de uma maneira diferente e até mesmo mais eficiente, mas não será uma substituição. Peças podem ser substituidas por outras iguais, seres humanos por serem tão diferentes entre si, por envolverem sentimentos, podem ser trocados, jamais substituidos. Deixarão saudades ou não, mas sua troca não será uma simples reposição.

Tudo isto pode ser apenas um jogo de palavras, mas a verdade é que no íntimo sonhamos com a possibilidade de sermos únicos, especiais e insubstituíveis. Antoine de Saint Exupéry em sua fábula “O Pequeno Príncipe” fala da idéia de formar laços, cativar. Dizia a raposa : Tu não és para mim senão um garoto inteligente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidades de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...

Não importa quem será o substituto, a dor é por saber que não somos imprescindíveis. Que por mais e melhor que possamos ser ou fazer, um dia sairemos do palco, e o show vai continuar. O incômodo pela troca nada mais é do que uma demonstração de amor. Amor próprio e amor pelo palco que um dia vamos ter que deixar, seja porque nos mandaram sair ou porque um dia vamos morrer. No caso de André, amor pela empresa também.


A empresa faltou com fidelidade ao demitir o funcionário André? Fidelidade é a capacidade de conservar, manter ou preservar as características originais, ou seja, manter as referências. Exemplos: fidelidade conjugal consiste na manutenção dos votos realizados por ocasião da união, fidelidade partidária envolve adesão a ideais politicos, traduções fidedignas mantem exatamente o texto original...Fornecedor e cliente também podem manter relações de fidelidade. O que seria fidelidade empresarial?

Vivemos em constante mudança. A mudança não só é necessária à vida; ela é a própria vida. É difícil manter um equilibrio entre ser fiel e conservar referências originais de um lado e acompanhar as mudanças essenciais à vida e ao mercado de trabalho de outro. Mudanças não acontecem com a mesma velocidade para todos. Como ser fiel e mudar ao mesmo tempo?

O equilibrio da vida é dinâmico. O grande desafio é mudar e ainda assim ser fiel. Uma banda de rockeiros cabeludos dos anos 80 pode continuar tocando o mesmo estilo musical e decidir raspar a cabeça. Os cabelos mudaram, mas a voz e a musica permanecem as mesmas. Desde que as referências originais sejam claras e haja acordo na mudança, a fidelidade estará mantida.

Talvez a dificuldade esteja nas entrelinhas, no que nunca foi questionado, naquilo que não foi conversado, mas que se acredita esteja muito bem esclarecido. Quando eventualmente as expectativas não se realizam, aparecem mágoas, acusações, decepções. Papéis e expectativas precisam estar muito claros para todos. Talvez as mudanças tenham acontecido na empresa e André não tenha acompanhado. Em outros casos são os funcionários que mudam e a empresa permanece estagnada. Mudança não significa infidelidade. A infidelidade acontece quando só um lado muda. Se ambos mudarem juntos, a fidelidade se preserva e em muitos casos, ser fiel é mudar.

Houve falha? Quem falhou? A empresa ou André?
Leia mais no site http://www.ildomeyer.com.br/
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