quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Boa Noite!

Algumas pessoas acreditam que dormir é uma perda de tempo. “Quando morrer, vou ter tempo de sobra para dormir e descansar”, é um adágio popular que reforça a idéia do desperdício de vida durante o sono. Adeptos desta teoria, costumam orgulhar-se do fato de que três ou quatro horas diárias de sono são suficientes para que recuperem suas energias.

Infelizmente, não é bem assim que as coisas funcionam. Quando o dia nasce, a luz penetra pela retina do seres humanos, estimulando seu metabolismo, e, quando o sol se põe, o metabolismo diminui. A função é manter o corpo em estado de alerta durante a claridade e em repouso na escuridão. A esta alternância entre sono e vigília, 16 horas acordado e oito horas dormindo, chama-se ritmo circadiano, do latim “Circa diem”- cerca de um dia.

Este ciclo é controlado pelo cérebro (hipotálamo) que funciona como um maestro. Numa orquestra, cada músico sabe tocar seu instrumento, conhece a partitura, mas é o maestro quem vai informar o momento exato em que cada músico deve entrar na sinfonia. Se um instrumento for tocado no momento errado, prejudicará toda a performance. Assim, a medida que o sol vai se pondo no horizonte, o hipotálamo vai diminuindo os níveis do hormônio cortisol (que mantém o corpo alerta), vai baixando a temperatura corporal e inicia a secreção de melatonina (hormônio indutor do sono), para que possamos dormir. Este é o mecanismo de funcionamento com o qual o homem foi criado para interagir na natureza.

Se ocorrer uma alteração na ordem interna de secreção hormonal, teremos uma dessincronização, com dificuldade para cairmos no sono. Luz, exercícios físicos, drogas, hormônios, podem alterar o ritmo circadiano e promover uma dessincronização.

Desde que o homem inventou a lâmpada, a noite pode artificialmente se transformar em dia, e com o surgimento de casas, janelas, óculos escuros, o dia também pode virar noite. Assim, os horários da natureza de nascer e pôr do sol, acordar e dormir, aumento e diminuição da secreção hormonal passaram a ser modificados pela evolução humana. A vida moderna se apresenta com trabalhos noturnos, festas na madrugada, academias de ginástica à noite, levando pessoas a não utilizarem seus corpos de acordo com o manual de fabricação: 16 horas acordados durante o dia e 8 horas dormindo à noite.
Qual o problema em se alterar o manual do fabricante em relação ao sono?

O funcionamento normal do Sistema Nervoso depende do ciclo sono-vigília. Durante o sono, o corpo humano funciona de maneira semelhante a um super mercado, que abre suas portas às 8:00 horas e fecha as 24:00 horas. Depois que a loja é fechada ao público, funcionários trabalham durante a noite na limpeza, manutenção, reposição de estoque, para que na manhã seguinte, os clientes encontrem a loja em condições ótimas para realizar suas compras. Durante o sono, o Sistema Nervoso Autônomo trabalha sem parar na limpeza do organismo humano, retirando radicais livres, produzindo hormônios que são liberados somente durante o sono profundo, etc. É como se ao dormirmos, entregássemos a chave de nosso corpo para um funcionário restaurar o que houvesse sido danificado durante o dia de trabalho.

Imagine-se trancado em uma sala durante oito horas, sem comer, beber, ir ao banheiro, falar, se movimentar e com um mecanismo interno de restauração e limpeza. É isto que acontece nas oito horas noturnas de sono e que está recomendado no manual do fabricante.

Além disto, somente durante o sono profundo, ocorre a secreção do hormônio do crescimento, fundamental na restauração e multiplicação celular. Noites mal dormidas, com sono superficial, não conseguem produzir o hormônio, levando a um envelhecimento precoce.

É no sono profundo (sono REM) que acontecem os sonhos. Durante os sonhos, experiências vividas recentemente são processadas e armazenadas no cérebro. A falta de sono profundo leva à problemas relacionados à déficit de memória para fatos recentes.

Por estas razões, afirma-se que uma hora de sono perdido, jamais poderá ser reposta, ao menos no que se refere à reposição celular e memória, visto que uma soneca de uma ou duas horas durante o dia, visando repor o sono perdido da noite, não chega a alcançar a profundidade necessária para secreção hormonal e sonhos.

De qualquer maneira, a soneca depois do almoço tem sua finalidade: reduzir a fadiga, que também é um efeito colateral de noites mal dormidas. Depois de 24 horas sem dormir, o sistema nervoso já está em fadiga. Testes de atenção demonstraram resultados semelhantes ao de pessoas que ingeriram três doses de whisky – 10 decigramas/litro de álcool no sangue. O nível alcoólico permitido em alguns países para dirigir veículos varia entre 6-8 decigramas/litro, o que equivale a 19 horas acordado.

Qualquer atividade realizada após dezenove horas de vigília, encontrará o organismo trabalhando dessincronizado do ritmo circadiano associado à fadiga por falta de sono. Ocorre um somatório de fatores contra-producentes: o corpo preparado para dormir, sonolento, fatigado, ineficiente, desatento e com predisposição a causar acidentes.

Conseqüências a curto prazo da dessincronização do ritmo circadiano? Algumas pessoas dormindo acordadas e outras deitadas sem conseguir dormir. Por vezes, a mesma pessoa encontra-se dormindo em pé e acordada ao deitar. Verdadeiros zumbis.

Conseqüências a médio e longo prazo? Envelhecimento precoce, déficit de memória, ansiedade, mau humor, reações emocionais exageradas frente a acontecimentos negativos.

Sabemos que produtos devem ser utilizados de acordo com as instruções contidas em seu manual de funcionamento. A natureza, em sua imensa sabedoria, proveu o funcionamento do homem com o ritmo circadiano de sono e vigília. O homem entretanto, parece ter um certo prazer em desafiar as leis da natureza, mesmo que para isto possa, conscientemente ou não, estar agredindo a si próprio e seus semelhantes.

Vale a pena perder horas de sono que jamais serão recuperadas? Depende. Se estas horas de sono forem trocadas por encontros, emoções, trabalhos, prazeres, atitudes que também se perderão para sempre se não acontecerem naquele momento, deve ser feita uma reflexão. Cada indivíduo deve pesar o valor relativo de uma noite acordada.

Antes perder uma noite de sono do que sonhar acordado ou mesmo dormindo com algo que foi perdido para sempre. Mas antes de escolher, é recomendável uma boa noite de sono para que as idéias fiquem bem claras.

Que possamos nos comportar como a “Bela Adormecida”, que dormia profundamente, mas trocou o sono pelo beijo de um príncipe. Boa noite!

Fragmento de palestra apresentada durante o 54 Congresso Brasileiro de Anestesiologia em Natal – nov/2007
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segunda-feira, 5 de novembro de 2007

PARA QUE SERVEM AS EMOÇÕES?

Imagine um mundo sem emoções. Todos os seres humanos funcionando como computadores. A comunicação entre as pessoas realizada apenas pelo conteúdo da linguagem, na sua mais plena literalidade, através de um processo de perguntas e respostas. Nenhuma alteração no tom de voz, na expressão facial, na postura.

Como um casal demonstraria afeto, amor, paixão, excitação, sem a capacidade de sentir e demonstrar emoções? Como as pessoas se relacionariam sem emoções? Tente imaginar um diálogo. Talvez você não seja capaz de imaginar, pela simples razão de estar acostumado, desde o nascimento, a viver em contato com outras pessoas e a vivenciar emoções em maior ou menor grau, ficando difícil, senão quase impossível, vislumbrar um mundo sem emoções.

Desde o processo de amamentação, onde a mãe afasta o filho do mamilo e este grita, chora, esperneia, faz caretas em sinal de protesto, passando pelos ganhos e perdas da infância e adolescência, relações sexuais com parceiros, transações comerciais, etc, vemos que o ser humano vive uma inter-dependência de necessidades com seus semelhantes. Estas conexões acabam por despertar emoções, que nem sempre são agradáveis.

Algumas pessoas possuem, ou acabam por criar mecanismos protetores contra emoções. No intuito de preservarem-se de sentimentos desagradáveis, minimizam as emoções. Passam a vida como navios ao mar, que passam ao largo uns dos outros.

Vale a pena viver sem emoções? Sem emoções, o ser humano seria indiferente aos outros, teria dificuldade em armazenar memórias e provavelmente teríamos um mundo onde as decisões seriam tomadas exclusivamente pela razão.

Religiões e até mesmo alguns filósofos pregam que o homem deva se esforçar para ser mais cerebral, mais racional e menos carnal, tendo controle sobre suas emoções. O fato de alguém possuir um corpo com emoções, muitas vezes é visto como uma fraqueza. De fato, tanto a inexistência como o descontrole emocional, podem ser deletérios, muitas vezes inviabilizando um convívio social.

O paradoxo está justamente no fato de que decisões éticas baseiam-se muito mais em emoções do que na razão propriamente dita. Quando estamos frente a uma situação onde a escolha é entre o certo e o errado, a racionalização é simples. Matar ou não matar? Estudar para a prova ou colar? Decisões facilmente previsíveis, baseadas em códigos morais da sociedade que aprovam ou desaprovam determinadas condutas.

A dificuldade surge quando a escolha precisa ser feita entre duas situações potencialmente corretas. Sacrificar um animal que está sofrendo sem possibilidade de alívio ou não matar? Dar esmolas na esquina ou não? Punir um erro involuntário ou não?

Quem resolve estes dilemas? Leis, religião, filosofia, racionalização, não conseguem contemplar o universo de embates éticos que podem ser colocados frente aos indivíduos.

Quando decisões envolvem relacionamento, dependência, vulnerabilidade, as emoções podem servir como uma bússola interna, ativando lembranças e memórias de situações onde as pessoas foram alimentadas, cuidadas, amadas, abraçadas, desprezadas, ignoradas, abandonadas.

A lembrança de emoções experimentadas ao longo de uma vida, remetendo ao modo como fomos tratados e como nos sentimos, serve como uma bússola orientando decisões sobre como devemos tratar os outros. No momento em que ocorre uma inversão de papéis e um indivíduo consegue se colocar no lugar de outro, as emoções passam a ser responsáveis pelas decisões éticas entre o certo e o potencialmente também certo.

Enquanto os problemas e decisões forem relativos à situações hipotéticas e abstratas, a razão é soberana. No momento em que um ser vivo sensibilizar, afetar, emocionar outro semelhante, as emoções assumem o controle, remetendo-se a situações e valores que suportem a decisão a ser tomada e que remontam a milhões de anos de evolução da humanidade, pois em se falando de emoções, estas permanecem inalteradas em sua essência desde que o mundo é mundo.

Para que servem as emoções? Para nos diferenciar dos computadores, dar mais colorido a vida, ter um espírito mais cooperativo e principalmente, inibir atos que possam prejudicar aos outros.
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